Ofelia Prodan
(Roménia)
A Velha
Está uma velha mendiga encolhida nos degraus de um prédio. A mão dela é longa e enrugada. Conseguiu juntar algumas moedinhas. Às vezes tinem e nessa altura inclina a cabeça e fecha os olhos, como se aquele tinir fosse a mais bela melodia. Ao procurar no blusão encontro uma moeda. Quis pô-la na mão da velha mas fechou a palma da mão, ri-se e com a sua boca desdentada diz-me: achas que te vou deixar fazeres a boa acção do dia? Recomponho-me do espanto e permaneço petrificada enquanto a velha se levanta dos degraus agilmente, como uma menina, e se vai embora saltitando com um pé, tinindo as moedas aos ouvidos.
Máquina de Escrever
O rapaz em vez de ter um coração tem uma máquina de escrever velha. À noite vem uma mulher velha, senta-se à frente da máquina de escrever, com os dedos ossudos e magros, e bate rapidamente cada palavra. Ela escreve o que ele sonha. Quando o rapaz acaba de sonhar a mulher levanta-se da cadeira, agarra a folha escrita e vai embora. Há já dois anos que ele sonha com esta mulher. Uma noite lembrou-se de uma artimanha: pôs o despertador para tocar antes de ela acabar de escrever. Tomou dois soporíferos e enfiou-se na cama, adormeceu rapidamente e começou a sonhar. A mulher chegou, sentou-se na cadeira e começou a bater nos botões da máquina de escrever. Desta vez o sonho desenrola-se rapidamente, até que, no momento em que o despertador toca a folha fica parada a metade na máquina de escrever. A mulher rasga por metade e desaparece. Ele levanta-se, tira o resto da folha que foi deixada e lê. Durante o dia seguinte pensa numa nova artimanha. Quando anoitece toma de novo os soporíferos e adormece de imediato. Desta vez é ele quem se senta na máquina de escrever. A mulher chega e fica de pé atrás dele, inclina-se sobre o ombro dele para ver o que escreve. Quando ele chega a metade rasga a folha e entrega-a à mulher. Ela agarra-a enchendo de alegria os olhos cansados e tira do bolso largo do vestido a folha que lhe pertencia. Entrega-lhe e ele agarra-a, depois sai da máquina de escrever sonhando que se esforçava para colar as duas metades e que estas não se ajustavam uma à outra de nenhuma maneira.
Freud
Éramos dois no mesmo corpo
E entendíamo-nos perfeitamente
Entendíamo-nos tão bem
Que não suspeitava ninguém
Que éramos dois no mesmo corpo
E mesmo que muito diferentes.
Quando tínhamos vontade de conversar
Facilmente sucedíamos um ao outro
Quando comíamos algo mais delicioso
Cuidávamos que cada um ficasse satisfeito
Ao morrer de amores por uma mulher
Encontrávamos em cada um a elegante solução
Para lhe chegarmos às ancas
A porra foi quando nos apaixonámos
E foi por isso
Que nos tornámos agressivamente rudes
Discussões terríveis por ciúmes
Já não nos suportávamos mais
Começámos a querer o lugar um do outro
Até que o corpo saturado
Até à ponta dos cabelos com os nossos caprichos
Chama Freud e Freud
Tomou-nos o lugar sem nenhum arrependimento
E permaneceu de um modo triste e banal
Sozinho num corpo só.
Traduzido por Irina Fonseca
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Ofelia Prodan, nascida a 1972, é uma poetisa romena. Estudou sociologia na Universidade de Bucareste mas a sua estreia absoluta deu-se com o volume Elefantul din patul meu (2007) que foi premiado com o Grande Prémio Ion Vinea (2007), o prémio Revelação da Associação de Escritores de Bucareste (2008) e foi ainda nomeado para o prémio Nacional de Poesia Mihai Eminescu – Obra Prima (2008). Seguiram-se-lhe Cartea mică (2007); Invincibili (2008); Ruleta cu nebun (2008), În trei zile lumea va fi devorată (2010) şi Ulise şi jocul de şah / Ulysses and the game of chess (edição bilingue, 2011) e foram igualmente premiados e nomeados por alguns dos mais importantes prémios literários da Roménia. A sua obra foi lida publicamente em Espanha e na Alemanha. Os seus poemas foram publicados em revistas de Espanha, Bélgica e Ungária. É membro da União dos Escritores da Roménia, filial de Bucareste. O seu blog pessoal é: http://ofelia-oneeyeopen.blogspot.com/.